Dupla da QuasarLontra participa de prova gelada no Chile
A dupla da QuasarLontra Rafael Campos e Marcia Blanes participaram do Desafio Aysén, uma corrida de aventura de 300km na patagônia Chilena.
A competição teve como base a cidade de Coyhaique, que está a 1300km ao sul de Santiago do Chile. O lugar é praticamente um santuário de belezas naturais. possui um potencial para turismo de aventura enorme, e um povo com uma hospitalidade marcante.
As modalidades envolvidas foram trekking, mountain bike, canoagem, enduro equestre, além da orientação. Antes mesmo da largada a enquipe tinha de superar os primeiros imprevistos, como a perda de um vôo de conexão e depois o atraso na entrega de uma das caixas de bike e equipamentos, que chegou após a checagem de equipamentos, já durante o briefing da prova.
Uma característica desta prova, é de que a mesma é feita em etapas. A cadadia um percurso de aproximadamene 100km. Ao término de cada etapa, os atletas chegavam a uma área para acampamento, onde o tempo era neutralizado. No dia seguinte nova largada para outra etapa.
O capitão da equipe Rafael Campos já tinha participado antes de outras provas na Patagônia. Mas sua dupla, Marcia Blanes, participava pela primeira vez de uma prova fora do Brasil, e apenas sua segunda prova com mais de 250km.
Vejam abaixo o relato da atleta nesta marcante prova, e que contou com “perrengue” extra, como o momento em que ficaram mais de 10 horas sem comida.
Leia a seguir o relato da atleta Marcia Blanes em sua primeira prova de expedição gelada:
03 “Nada está tão ruim que não possa piorar”: a frase seria perfeita para descrever o transcorrer do “Desafio Aysén” se não fosse tão pessimista. Na versão ma
is otimista, eu diria que “tropeçar não impede ninguém de continuar andando”. Os “tropeços” começaram já na nossa viagem, quando perdemos o vôo que ia de Santiago até Balmaceda em razão de uma irregularidade em minha mala – o gás butano, que seria utilizado com fogareiro, não era permitid de se levarna bagagem despachada, ainda que não tivesse tido nenhum problema no trecho São Paulo-Santiago. Conseguimos prosseguir viagem somente no dia seguinte, mas ao chegar no aeroporto de Balmaceda,percebi que minha caixa de bicicleta e equipamentos não tinha vindo.
Conforme prometido, a Cia aérea entregariam no hotel depois das 17:00 horas. Partimos então em direção a Coyhaique, sede da prova. Tivemos uma recepção amabilíssima da organização, credenciamento e checagem dos equipamentos ( o que era possível) e então o briefing.
As distâncias para o primeiro dia seria 65km de bike e mais 40 de trekking. Após o briefing a bicicleta chegou. Montamos e testamos a bike, organizamos a mochila do trekking e a caixa do acampamento, e o Rafael ficou preparando o mapa.
Largada no dia seguinte com 65 km de bicicleta. O visual maravilhoso c
om muitas montanhas, picos nevados e um céu azul, mas o ritmo foi forte: dava para ver que não tinha ninguém brincando por ali. Chegamos bem na transição, e aí começou o trekking de 40 km. Segundo o Rafa, seria um trekking “esquisito”, sem trilha, no meio do mato: subiríamos e de
sceríamos montanhas com 1400 metros de desnível, duas vezes. Ele exemplificou como sendo “dois morros do Corcovados” de Ubatuba, onde chegamos a fazer um treino juntos, só que sem trilha. Não demorou muito para eu compreender o que significava um trekking “esquisito”: o caminho de terra pelo qual iniciamos a jornada, logo deixou de ser um caminho. A mata fechou, bambus, pinheiros densos, e haviam trechos que tínhamos que andar em cima de tronc
os caídos para conseguir prosseguir. A esquisitice piorou ainda mais quando o trekking continuou atingiu determinada altitude nas montanhas e aí, não h
avia vegetação, mas o terreno inclinado, cheio de pedras soltas que se desprendiam conforme se pisava, me fizeram sentir a pessoa mais lerda de todos os tempos. Era só um pouco mais de demora para tomar fôlego, e pronto, o Rafa já sumia na imensidão de pedras. Aos trancos e barrancos (literalmente), chegamos no próximo PC. Descemos o trecho de pedras e nos embrenhamos na mata novamente e seguimos até o próximo PC. Terminamos o primeiro “Corcovado” já quase de noite.
Iniciou a segunda etapa, e aparentemente as coisas não sairiam mais do controle, porque passamos a subir no que parecia ser uma trilha. Mas a alegria durou pouco. A mata começou a fechar novamente, e anoiteceu. A progressão continuava muito lenta. Na madrugada estávamos juntos de uma outra equipe Chilena, e com
dificuldade em encontrar a trilha decidimos parar para dormir. Só conseguimos prosseguir com a luz do dia. O que era pouca comida se tornou nenhuma comida e o acampamento ainda estava longe. A última refeição tivera sido na madrugada, quando encontramos uma cerejeira, e comemos muitas direto do pé. No amanhecer chegamos ao último PC e agora então só restava descer a última montanha em direção ao acampamento., encontraríamos “o tesouro”. Mas claro que não seria tão simples assim: depois de ir e voltar um milhão de vezes percebemos que não havia caminho viável até o acampamento, por
que sempre nos deparávamos com um penha
sco que não era possível de descer. Ou o caminho era repleto de bambus e árvores caídas que dificultavam a passagem. A cara de ninguém estava muito boa, nem dos chilenos que vinham com a gente (equipe Conquista del Maule), nem a do Rafa. Comecei a me sentir dentro de um filme. A fraqueza falou mais alto, e então sentamos para comer a última sopa, que os chilenos possuíam, mas que dividiram com a gente. Um pouco de energia surgiu e descemos barranco abaixo, até encontrar o rio, por um caminho cheio de bambus, urtiga e terra escorregadia. Iríamos descansar e comer fi
nalmente. Mas já de frente para o acampamento, percebi que o filme ainda não tinha chegado ao fim. Entre nós e o acampamento havia um rio caudaloso, e a correnteza estava muito forte. Havia tão somente duas opções: escalar uma montanha para tentar chegar a um trecho mais calmo do rio ou cruzá-lo nadando em meio às corredeiras. Esta aliás era a sugestão da organizador da prova, o Franscisco, que juntamente com mais outros voluntários se alinharam em uma fila paralela a outra margem. Sim, era simples, só nadar transversalmente em direção da corrente, até que fossemos gradativamente jogados em direção à margem contrária. Foi o Rafa quem foi primeiro com minha moc
hila, se atirou e nadou esplendidamente e recebeu uma salva de palmas. Daí era minha vez.. Aquele monte de gente olhando, me encorajando. Me atirei na água fria, e logo entendi porque o rio fazia tanto barulho, mal conseguia me manter na superfície. Comecei a dar braçadas, e em uma velocidade incrível, passei pela frente do primeiro voluntário, porem longe, ele não conseguiu me resgatar. Passou o segundo, e nada, depois o terceiro, não havia ainda me aproximado o suficiente. Passou o quarto, que arremessou uma corda mas não chegou até mim, e daí percebi o desespero no rosto dos que me resgatariam. Foi o Francisco que conseguiu me alcançar, mas começou a ser levado também pela correnteza, veio mais um, depois outro, até que cons
eguiram me tirar da água, a salvação.
No dia seguinte, nova largada, com 85 km de pedal que foram muito fáceis: a referência do trekking do dia anterior e a paisagem sempre maravilhosa, tornaram esta perna muito tranquila. Veio o trecho da cavalgada, com 25km, e mais 10 km de bicicleta até a chegada. Pronto, fomos a 2ª. equipe a chegar ao destino final, a praça principal de Coyhaique, ao som de palmas e homenagens. Sim, a equipe brasileira tinha chegado bem. Com a somatória dos tempos ficamos na 4ª colocação. Era um domingo à tarde, a festa era geral. Terminei a prova com aquela sensação de que tinha vivido uma das maiores experiências da minha vida, de que era possível continuar acreditando na solidariedade das pessoas. Partimos no dia seguinte de volta ao Brasil, com uma grande marca na mente. Acho que ficamos com vontade de voltar um dia, e eu voltaria sim. Nem que fosse só para me juntar aos meus novos amigos chilenos, e ajudar a protestar e gritar o manifesto deles contra a construção de represas na região: “Patagônia sin represas! Patagônia sin represas! Rio livre, Rio Livre”.